quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Neoliberalismo Volver?

Selvino Heck *

Adital -
Escrevo no dia em que assassinaram Che na Bolívia e lembro de uma análise de conjuntura no início de 1995 no CAMP (Centro de Assessoria Multiprofissional), ONG de Porto Alegre, quando disse e escrevi que o governo FHC, então no seu início, faria uma modernização conservadora no Brasil. Foi o que aconteceu, em tempos em que a proposta neoliberal conquistara corações e mentes no mundo inteiro, apresentando-se como alternativa ao socialismo real, que ruíra anos antes, e prometendo o paraíso.

2008, menos de 15 anos depois, a ‘modernização conservadora’ mostra toda sua inconsistência e até perversidade. O Estado mínimo foi para o espaço, os valores neoliberais da competição deram no que deram, o livre mercado se escafedeu e a busca desenfreada do lucro e do enriquecimento deixa amargas lembranças.


Abro os jornais e leio "Fim de linha: estatização em massa" (Vinícius Torres Freire, FSP, 07.10.08, B4): "A solução estatizante terminal foi apresentada da maneira mais simples e direta num editorial de hoje do diário financeiro britânico ‘Financial Times’, mas está por toda parte: 1) os governos devem obrigar os credores a transformar os créditos que têm a receber dos bancos em participação no capital dessas instituições financeiras; 2) governos têm de comprar bancos alquebrados que ainda podem ser salvos".

Todos os que criticávamos nos anos noventa o neoliberalismo selvagem deveríamos estar agora batendo palmas, felizes e alegres. Mas não necessariamente é assim. Primeiro, porque como sempre em toda crise quem mais sofre são os mais pobres e os trabalhadores. Os empregos rareiam, a renda e o salário caem, os serviços públicos perdem qualidade. Segundo, porque os países e povos sul-americanos que reagiram quase em bloco à insanidade do mercado livre e da opulência sem limites, com a eleição de governantes à esquerda, poderão sofrer os reflexos da crise provocada pelos poderosos do Norte, embora sobre ela não tenham nenhuma responsabilidade e pouca ingerência nos seus rumos.

A crise parece profunda e com reflexos globais, na medida em que a globalização financeira envolve todos os setores econômicos de todo mundo. Ninguém está inteiramente imune a ela. Mas ela pode também levar a reflexões e a mudanças, absolutamente necessárias e urgentes.

O sistema de poder mundial está velho e estagnado faz tempo. Novas forças emergem, como a China, a Índia, o Brasil, a Rússia, o chamado BRIC, mais a África do Sul, as Coréias e o conjunto da América Latina. Em tempos de crise, o império perde poder e/ou precisa reparti-lo, seja nas instituições multilaterais como o Conselho de Segurança da ONU, o FMI e suas regras, a OMC, a ampliação do G-7, seja nas relações econômicas e comerciais. Abre-se espaço para um novo equilíbrio e um novo desenho do poder mundial, o que não deixa de ser auspicioso. "Segundo acadêmicos e especialistas, questões como meio ambiente, crises sociais, diferenças culturais, entre outras, desenharão um novo quadro político, marcado, sobretudo, pela deterioração da supremacia dos Estados Unidos como última potência mundial. Essas transformações abrem novas perspectivas, mas também trazem outros riscos" (O Sul, Caderno Reportagem, 07.10.08).

Os valores capitalistas neoliberais também estão sendo questionados, até pelo papa. Segundo Bento 16, a crise mostra a futilidade do êxito e do dinheiro e que muitos fazem suas construções ‘sobre areia’: "Agora, estamos vendo, com o afundamento dos grandes bancos, que esse dinheiro desaparece, que não é nada; trata-se de realidades de segunda ordem." Surge, pois, a oportunidade de colocar em xeque valores que vêm sendo inculcados no conjunto da sociedade, especialmente nas crianças e na juventude, de que o capitalismo é a única possibilidade, de que o que vale é dinheiro no bolso, que a regra básica é competir para vencer, de que governos só atrapalham. É momento de mostrar a necessidade urgente da construção de uma nova ordem econômica e social, o que chamávamos nos anos oitenta ‘nova sociedade’; que os valores da justiça social, da igualdade, da solidariedade, da partilha, da ética na política ainda têm sentido e que na verdade são eles que podem salvar o mundo e a humanidade.

Há um longo caminho a percorrer. Os ciclos históricos nunca são curtos e as oportunidades históricas de mudança não costumam ser muitas e em geral não são escolhidas. Elas acontecem. Se o neoliberalismo fracassou na vida e na prática, podemos construir um tempo novo, reafirmando o papel do Estado, requalificando a democracia e, principalmente, recolocando o homem, a mulher, o respeito à natureza e ao meio ambiente no centro da vida e do futuro.


* Assessor Especial do President

adital.org.br

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