A esquerda ficou fora do segundo turno no Rio de Janeiro, enquanto dois candidatos de grandes esquemas políticos conservadores decidem a eleição. Eduardo Paes, hoje na banda mais conservadora do PMDB, em coligação com PP e PTB; e Fernando Gabeira, filiado ao PV, mas representante de fato do PSDB, e apoiado pelo PPS, partidos da oposição de direita ao governo Lula.
Antônio Augusto*
Foi uma derrota anunciada. Quando a esquerda carioca se dividiu em cinco candidatos no primeiro turno da eleição da prefeitura: Jandira Feghali, do PC do B, coligado ao PSB; Alexandre Molon, do PT; Chico Alencar, do PSOL, numa aliança com o PSTU; Paulo Ramos, do PDT; e Eduardo Serra, do minúsculo PCB; subestimava os 16 anos de domínio da direita no Rio.
Privilegiaram-se interesses partidários e meramente parlamentares em detrimento da unidade democrática e popular.
A conta chegou rápida e bem amarga: a esquerda ficou fora do segundo turno enquanto dois candidatos de grandes esquemas políticos conservadores decidem a eleição. Eduardo Paes, hoje na banda mais conservadora do PMDB, em coligação com PP e PTB; e Fernando Gabeira, filiado ao PV, mas representante de fato do PSDB, e apoiado pelo PPS, partidos da oposição de direita ao governo Lula. Some-se a Gabeira, no segundo turno, o apoio do desgastado prefeito César Maia, do DEM, que apresentou candidata própria na primeira volta eleitoral.
Paes, o defensor de milícias
O melhor colocado na fase inicial da eleição, Eduardo Paes, com cerca de 32% dos votos válidos, é uma cria política do prefeito César Maia. Iniciou sua vida pública como subprefeito da região da Barra da Tijuca, com atuação benéfica à especulação imobiliária e oposta às comunidades pobres da área.
Hoje Maia e ele se detestam, o que não impediu que diversos vereadores ligados ao DEM já o apoiassem desde o primeiro turno. Os partidos não contam para Paes. Em dezesseis anos de vida pública, já trocou de siglas seis vezes, passou pelo PV, PFL, PSDB, PTB e agora está no PMDB. Considera os partidos um detalhe, a ponto de no seu “site” de campanha não haver sequer menção ao PMDB, mas apenas ao número 15, só porque imprescindível ao voto do eleitor.
É o candidato da despolitização, tudo se resume à gerência de demandas locais, atendidas de maneira clientelista. Apresenta-se numa embalagem ao gosto conservador, em que sisudez se confunde com “seriedade” e gestão pública com administração empresarial.
Mas Paes não se resume à aparência de bom-moço inodoro. Em entrevista ao RJ-TV, da Rede Globo, defendeu a ação de milícias, isto é, de grupos de extermínio: “como forma do Estado recuperar sua soberania, a polícia mineira trouxe tranqüilidade para a população”, disse enfático.
Na questão da segurança, Paes tem, portanto, identidade com o governador Sérgio Cabral, seu atual mentor e cabo eleitoral, promotor da criminalização da pobreza. É a política do “caveirão”, veículo policial blindado semelhante ao usado pelo “apartheid” na África do Sul. Estudo divulgado em setembro pela ONU aponta a polícia do Rio como a que mais mata no mundo, adepta da violência indiscriminada contra a população carente.
Apesar de defender execuções sumárias, Paes recebeu apoio oficioso e eficiente da hierarquia da Igreja Católica contra o senador Crivella, do PRB, coligado ao PR (ex-PL), mas de fato candidato de uma organização religiosa, a Igreja Universal, que chegou em terceiro, com aproximadamente 19% dos votos válidos. Na campanha do candidato de Cabral participam também grupos obscurantistas da Igreja Católica, como o Opus Christi.
O vice de Paes é um ex-militante de esquerda, com passagem pela luta armada, Carlos Alberto Muniz, há muito representante do ex-governador Moreira Franco no PMDB.
Gabeira, a fachada do PSDB
Existe uma onda Gabeira no Rio, que o levou ao segundo turno, com cerca de 25,6% dos votos válidos, e agora já o aponta na liderança das pesquisas. Quais as razões dessa onda?
Sem dúvida se deve a fatores diversos, mas joga papel principal a identificação de Gabeira como candidato contra os políticos. Imagem criada na sua maior parte pelo bate-boca entre ele e o então presidente da Câmara dos Deputados, Severino Cavalcante (PP-PE), difundida à exaustão pela Rede Globo, com inserções diárias no Jornal Nacional.
A cobertura generosa dada a Gabeira pela Globo fala por si só. Enquanto parlamentares com posições mais democráticas e vínculos populares são sistematicamente ignorados, a emissora – e, por extensão, a quase totalidade da mídia, de natureza conservadora - vende a idéia de que todos os políticos não prestam. À exceção, claro, de políticos salvadores da pátria, apresentados como não-políticos, a exemplo de Collor, “o caçador de marajás”, bordão veiculado de modo intenso.
O episódio Severino Cavalcante cumpriu função semelhante para Gabeira. Na sua propaganda eleitoral, ele reforçou o mote de apresentar-se contra os políticos, logo honesto. Soa como música aos ouvidos de um eleitorado em que se martela o tempo todo a mesma idéia pelos meios de comunicação.
O complexo de mídia Globo (integrado também na própria capital fluminense por televisão, rádios e jornais) se revelou igualmente importante na passagem do candidato ao segundo turno. Empenhou-se em fortalecer a tendência de que, para impedir o pastor Crivella, da Igreja Universal, dono de eleitorado grande e cativo, mas campeão de índices de rejeição, Gabeira seria a opção. Ele faz por merecer tanto apoio da Globo e de amplos setores de direita.
Posições políticas conservadoras
Já se alinha a posições políticas conservadoras há bastante tempo. Votou pelo fim do monopólio estatal do petróleo. Não à toa um dos dirigentes da sua campanha é David Zilberstein, ex-genro de FHC, e ex-Diretor-Geral da Agência Nacional do Petróleo (ANP). Quando no cargo, Zilberstein convocou executivos das multinacionais. Ao terminar seu discurso no encontro, fez questão de provocar o povo brasileiro, dirigiu-se aos executivos e proclamou: “O petróleo é vosso!”.
Gabeira apóia privatizações com freqüência. Votou também a favor da contra-reforma da Previdência, que retirou direitos dos trabalhadores. Considera um modelo a gestão tucana de Aécio Neves em Minas. A permanente e exacerbada oposicionista de direita Lúcia Hipólito vai ao delírio, qualifica Gabeira de “a face mais avançada da esquerda mundial”. E Veja, o panfleto de direita em forma de revista semanal, o chama “um guerrilheiro da lucidez, a materialização das utopias”.
O teor dos disparatados elogios é reproduzido orgulhosamente no “site” de campanha.
Como se vê, a conversão na prática de Gabeira aos tucanos não é episódica, casual, sintetiza na verdade o alinhamento com o conservadorismo político, escamoteado pelas posições dele sobre comportamento e toda a ação da mídia por trás de sua candidatura.
Rede Globo impede debates no primeiro turno
No Rio, segunda cidade brasileira, a Globo, de maneira inédita, com desculpas fabricadas, impediu a realização de debates televisivos entre os candidatos no primeiro turno. Sem dúvida ato contra o esclarecimento da população, de influência no resultado das urnas. Comparável em termos de golpe, numa escala menor, à tentativa de fraude da Proconsult, patrocinada pela mesma Globo na eleição de Brizola, em 1982.
A ausência de debates se repetiu em outras nove grandes cidades do país, inclusive a maior delas, São Paulo, e outras três capitais. Dá o que pensar: a Globo é uma concessão pública do governo ou é o contrário, o governo é que é uma concessão da Globo?
A inexistência de debate no Rio só favoreceu ainda mais a despolitização da eleição e o reforço do sentimento de que Gabeira é o cara (para usar a gíria carioca) contra os políticos. Ele é o candidato da coligação PV-PSDB-PPS. Está no PV, mas já foi do PT, ficou sem partido e pulou de novo para o PV.
Um PV aliado da direita
Além de simpática, a causa ecológica é imprescindível. Mas o PV, no Brasil, tem estranhas características. Em geral, no resto do mundo, os verdes se unem à esquerda, aqui as alianças preferenciais ocorrem com a direita conservadora.
O verde Syrkis participou do secretariado de César Maia e foi um dos seus defensores mais ardorosos. Agora em Natal, Agripino Maia (aquele senador do DEM que acusou a ministra Dilma de não falar a verdade sob tortura) acaba de ganhar a eleição para a prefeitura com a fachada de uma fantoche "verde", a Mi Carla. Agripino Maia é a cara escarrada do DEM (nome de fantasia do velho PFL), o coronelismo mais retrógrado do Nordeste.
O deputado federal Chico Alencar , do PSOL, também candidato no primeiro turno à prefeitura carioca, observa de maneira irônica: “Não há como negar que a candidatura Gabeira é ecológica. Salvou os tucanos do Rio da extinção”.
Os outros dois partidos da coligação de Gabeira, PSDB e PPS, fazem parte da oposição de direita ao governo Lula, agora unidos a César Maia e ao DEM no segundo turno. Numa tentativa de minimizar as críticas às suas atuais posições políticas, agradáveis aos conservadores, voltou a falar de seu remoto, antes negado, perdido no túnel do tempo, passado de esquerda, de participação no seqüestro do embaixador americano.
Na primeira página, O Globo chegou a mostrar foto dos 15 presos políticos libertados no seqüestro, destacar a figura de Vladimir Palmeira, e apontar sua “ingratidão” a Gabeira: como atual dirigente do PT, Vladimir recomendou apoio a Paes no segundo turno. Quem diria... O Globo, sempre empenhado em defender a ditadura, caluniar revolucionários, apresentar o seqüestro sob ângulo positivo.
Milionária campanha tucana
A campanha milionária de Gabeira em nada fica a dever à campanha de Paes. Bancada pelos tucanos, empreiteiras e bancos, tem nada menos que o especulador Armínio Fraga -recordista da elevação da taxa de juros quando ex-presidente do Banco Central no governo FHC - como seu garoto-propaganda no horário eleitoral. O ex-governador Marcello Alencar, do PSDB, rei das privatizações no Estado do Rio – feitas em parceria com o ex-presidente da Assembléia Legislativa, o atual governador Sérgio Cabral - indicou o seu ex-vice, Luiz Paulo, também tucano, para vice de Gabeira.
A oposição de direita ao governo Lula aposta suas fichas em Kassab, em São Paulo, e em Gabeira, no Rio. O senador pernambucano Sérgio Guerra, presidente nacional do PSDB, espera infligir grandes derrotas ao governo Lula com vitórias eleitorais nas duas maiores cidades do país.
* Antônio Augusto é jornalista
cartamaior.com.br
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