terça-feira, 18 de novembro de 2008

Repensando o uso do automóvel


Diversas cenas marcam o vai-e-vem nos grandes centros urbanos do país. Mas os automóveis dominam as ruas nos grandes centros urbanos


Por Naná Prado, para o Instituto Akatu pelo Consumo Consciente

Cena 1: nada mais comum do que observar uma fila interminável de carros parados no trânsito soltando muita fumaça. Dentro, pessoas impacientes, também soltando muita fumaça.

Cena 2: ônibus, metrôs e trens lotados. Pessoas desesperadas para entrarem nas conduções, sentarem e, quem sabe, tirarem um cochilo no longo caminho até seus destinos.

Cena 3: depois de tentar todos os meios de transporte possíveis, Carla Maricondi, arquiteta, 27 anos, decide levar um tênis para o trabalho e voltar a pé.

Cena 4: ciclistas pedalam entre os carros, fazendo inveja aos motoristas confinados.

Diversas cenas marcam o vai-e-vem nos grandes centros urbanos do país. Mas são os motores que dominam as ruas, que não foram planejadas para o uso da bicicleta como meio de transporte. Muitas cidades nem mesmo têm calçadas adequadas para aqueles cidadãos que desejam caminhar na volta para casa.

Com o início da indústria automobilística no Brasil, no final da década de 50, ter um carro passou a ser o sonho de muitos brasileiros. Os governos concentraram grandes esforços na infra-estrutura rodoviária. Apesar de o transporte coletivo ter ganhando espaço, o carro ainda domina de longe as ruas dos grandes centros metropolitanos. São gastos recursos públicos de enorme monta na construção de túneis, viadutos, recapeamento e outras obras com foco no automóvel, um veículo que oferece uma má relação entre o espaço ocupado nas ruas e o número de pessoas transportadas.

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a cidade de São Paulo atingiu em 2007, algo em torno de 11 milhões de pessoas. A frota de automóveis já ultrapassou 4 milhões, ou seja, pode-se dizer que a cada 3 pessoas, uma tem um carro. Enquanto isso, não há muito mais que 65 mil ônibus e micro-ônibus. Motos e motonetas somam quase 600 mil.

Dos números para a realidade

Uma pessoa que utiliza transporte coletivo consome 12 vezes menos combustível do que se utilizasse o carro e causa a emissão de 5 vezes menos gás carbônico. Após 1 ano, o indivíduo que utiliza o carro particular, terá causado a liberação da mesma quantidade de carbono que 10 árvores assimilam, em seu processo de crescimento, ao longo de 20 anos aproximadamente. Utilizando o transporte coletivo, a quantidade de carbono emitida por pessoa equivale a 1 árvore.

Se uma pessoa deixar de usar seu automóvel particular 1 vez por semana, durante 1 ano, mais de 200kg de gás carbônico deixarão de ser lançados na atmosfera. Além disso, essa mesma pessoa economizaria, ao longo desse ano, mais de 132 litros de combustível, o que equivale hoje a aproximadamente R$ 330,00.

Segundo o biólogo Cláudio Luis de oliveira, da Universidade Estadual Paulista (UNESP), “a cada atitude individual, os impactos positivos do consumo consciente já se mostram surpreendentes. O trabalho coletivo se mostra como um poderoso instrumento de transformação da engrenagem da vida”.

Se os consumidores se tornarem conscientes do poder que têm sobre a escolha de produtos e serviços oferecidos, o custo do transporte poderia deixar de representar 22% da renda familiar do trabalhador paulistano e, se houver uma pressão sobre as municipalidades que regulam o transporte coletivo, poderia haver uma melhor na facilidade de acesso e na qualidade do serviço.


Mudança de hábitos

Aquele consumidor que prefere utilizar bicicleta, caminhar a pé ou até usar o transporte coletivo, ao invés do carro particular, “colabora também com a melhor circulação das pessoas pela cidade. Pois, uma pessoa, em um carro, ocupa em média, um espaço sete vezes maior do que ocuparia em um ônibus”, comenta Cláudio de Oliveira.

Além disso, de que adianta possuir um carro novo, com motor potente se a velocidade alcançada, ao menos nos centros urbanos, é muitas vezes menor que a de uma bicicleta? Nesse sentido, é inútil o avanço da alta tecnologia avança no desenvolvimento de motores cada vez melhores e na formulação de combustíveis cada vez menos poluentes. É preciso mudanças em outra direção para resolver o trânsito das grandes cidades.


Mudanças na lógica do deslocamento

Estudiosos, empresários e consumidores propõem as mais variadas alternativas para o trânsito das grandes capitais, entre elas a implementação de medidas para a redução da frota de carros, como o pedágio urbano e a restrição a estacionamentos, a melhoria no transporte público, o incentivo ao uso de bicicletas e políticas voltadas para criação de corredores de ônibus.

Silvia Olivella, 43 anos, é professora de Yoga e afirma que já teve carro mas não se atreve a sair dirigindo porque hoje o trânsito de São Paulo é muito agressivo.”Eu tenho medo de dirigir. Utilizo metrô e ônibus, mas gostaria que as linhas se cruzassem, assim não haveria tanta aglomeração de pessoas. “O que mais me irrita no metrô é a lotação, e no ônibus é a lentidão pelo trânsito”.

Boas idéias não faltam. Maria Cristina Nascimento mora em São Paulo e sugere mudanças na lógica do deslocamento, levando a atividade produtiva para os bairros dormitórios. Segundo ela, “muita coisa mudaria se os bairros onde as pessoas moram tivessem mais emprego e se, além disso, as empresas flexibilizassem os horários dos funcionários”. É preciso oferecer emprego, comércio e serviços públicos nos bairros.

Em época de eleições é comum ver empreiteiros propondo obras, como viadutos, túneis, entre outras. Recentemente, os empreiteiros de São Paulo propuseram aos candidatos à Prefeitura um plano de obras viárias estimado em mais de R$ 15 bilhões. “Tudo para ter mais espaço para os carros. Esse tipo de proposta só reforça a cultura do automóvel e no final o que se tem não é o efeito esperado”, afirma Maria Cristina. A lógica, segundo ela, deve ser a de olhar para a demanda e fazer com que haja menos necessidade de locomoção.

A ONG Rua Viva têm propostas semelhantes. Há duas décadas propunha um novo paradigma para a apropriação do espaço e do tempo na circulação de pessoas nas cidades, ou seja, em vez de mais transporte, menos distâncias e menor necessidade de deslocamento. Esses conceitos são fundamentais hoje para que a engenharia de tráfego possa ter eficácia. A lógica do transporte deve ir muita além de pensar a locomoção, deve servir de fio condutor para um novo padrão de comportamento.

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